Deixe-o ir, mesmo que ainda doa
"A lagarta dorme num vazio chamado casulo até se transformar em borboleta", disse Rubem Alves. Ele estava certo!
Passamos a vida acreditando que precisamos ser cheios... cheios de amor, cheios de paixões, cheios de amizades, cheios de felicidade, cheios de bens, cheios de nós... e à primeira vista parece mesmo uma ideia encantadora.
Se fosse assim, não nos faltaria nada, viveríamos totalmente satisfeitos; mas, como disse Guimarães Rosa, "O animal satisfeito dorme". Sobre isso, Mário Sérgio Cortella completa o pensamento alertando sobre "o risco de cairmos na monotonia existencial, na redundância afetiva e na indigência intelectual."
Certo; mas e se o amor, que nos é tão necessário e vital, nunca nos faltasse? Parece apaixonante a ideia de nunca mais sentirmos falta de amor, de nunca mais nos sentirmos sós e estarmos sempre cheios, completos, satisfeitos... Ora, se fosse assim, como poderíamos experimentar "o novo"?
Há tanto para se viver, se aprender, experimentar e "degustar" durante a vida! A verdade é que cada amor, cada momento, cada experiência traz consigo algo para nos ensinar, e os amores ainda trazem junto a necessidade de aprender, também, conosco e, em algum momento, quando já tivermos aprendido e ensinado o que era preciso, chegará a hora de partir.
Ah, que momento dolorido! O bem-querer que criamos ao logo do tempo de convivência, o costume da presença, o hábito dos abraços, das conversas e até dos momentos de discórdia... é o costume de ter o outro, é o hábito daquele amor sempre presente e, abrir mão disso dói, e pode doer muito!
Por vezes, estamos tão acostumados, acomodados na relação que não percebemos quando começam os primeiros sinais de que precisamos ir, ou deixar esse amor ir. Aquelas brigas frequentes, as chateações, as novas prioridades, o deixar de se importar e o tanto faz, aquele pinguinho a menos de satisfação que vai embora dia após dia... tudo mostrando que hora de permitir ao "novo" chegar.
"E por quê?", você pode perguntar. A resposta é simples; mas tão profunda, que cada pessoa encontrará sua própria maneira: nós precisamos do vazio para completar nossa felicidade! Pense, sempre estamos buscando mais: um carro melhor, uma casa melhor, uma viagem nova, um restaurante que ainda não conhecemos... somos movidos pela insatisfação, e sem esse vazio, cairíamos na condição que Guimarães Rosa e Cortella alertaram! Se somos assim em tudo, por que seríamos diferentes no amor?
Não há nada de errado em chegar ao fim; tudo tem um ciclo de começo, meio e fim; tudo, em algum momento, se encerra. Com o amor é assim também. E quando isso acontece é preciso deixá-lo ir, mesmo que ainda doa; porque, se não o fizermos, estaremos tentando, a todo custo, impedir que esse amor siga seu caminho, de ensinar e aprender em outros lugares, outros momentos, e estamos nos impedindo de deixar que "o novo" chegue para nós e que traga consigo uma infinidade de novas experiências, novas coisas que aprender, um novo universo!
É preciso deixá-lo ir, mesmo que ainda doa, porque ficar com ele pode doer mais e por uma vida inteira. Viver a "monotonia existencial, na redundância afetiva" é matar o que há de mais bonito em nós: a capacidade de transformarmos vidas, histórias... e junto, a nossa vida e a nossa história! Só é possível mudar com "o novo", e o novo só chega quando deixamos ir o que já não nos cabe e já não tem mais espaço em nossa vida!
Então, quando chegar seu momento de receber o novo, olhe para o amor (ou que quer que seja) de que precisa se despedir e permita-se sentir, permita-se chorar, abrace forte e diga o quanto irá fazer falta (por que vai!), você tem esse direito e não será vergonha nenhuma ter medo de se arrepender! E então, depois de se permitir sentir todas as emoções e lembranças que vierem nesse momento, solte-o e deixe-o ir, mesmo que doa. Não se esqueça: "A lagarta dorme num vazio chamado casulo até se transformar em borboleta"; então permita-se sentir-se no vazio por um instante; porque somente assim você poderá abraçar o novo que está por vir, continuar seu caminho em paz, e feliz!
(Texto comemorativo pelo marco de 1000 seguidores no Instagram @somandolacos. Sugestão de nossa seguidora Karoline Rodrigues)
Imagem: Unsplash
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