Ah, a saudade...
Ah, saudade! Que sentimento estranho e contraditório! Ao mesmo tempo em que, em alguns momentos, nos traz uma felicidade de relembrar coisas boas que passamos em nossa vida, às vezes, também tem a força de nos deixar com o coração profundamente dolorido quando, justamente, relembramos algo passado e que desejamos ardentemente que ainda fosse presente. Engraçado isso né?!
Por ser assim contraditória, boa e ruim, sorriso e lágrima, alegria e tristeza, é que a saudade ocupa em nós um lugar, digamos, especial. Todos nós sentimos falta de algo e desejamos que alguma coisa, algum momento ou alguém ainda estivesse conosco; todos nós temos uma hora do dia, ou aquele dia da semana, ou aquele cantinho da casa onde nos encontramos com a saudade. Às vezes nós a buscamos, quando ela é "sorriso"; outras vezes, quando é "lágrima", é ela quem vem ao nosso encontro. Quando acontece, ficamos ali parados, pensando, lembrando e relembrando, tentando encontrar porquês, motivos, explicações... ou apenas buscando sentir novamente aquela sensação, o cheiro, o abraço, o beijo; tudo em nós deseja voltar em algum momento ou lugar.
E, pela saudade, vamos ainda mais além: sentimos saudades do que nunca tivemos. Renato Russo, quando fez a composição da música "Índios", nos dá um exemplo no verso "Que é só você que tem a cura pro meu vício de insistir nessa saudade que eu sinto de tudo que eu ainda não vi". Muito embora seja seu desabafo sobre fatos críticos que aconteceram em sua vida, Renato remete-se ao que ainda não havia vivido, mas que, de alguma forma lhe causava saudade. A vontade de viver outras experiências, outros momentos, de evoluir, alcançar novos horizontes, um universo novo, diferente e que, em muitas vezes, foi criado por nós é que faz com que essa saudade encha nosso peito.
Nesse novo universo, podemos ser outra pessoa, talvez melhor ou diferente; podemos ter condições de resolver o que tanto nos aflige; talvez lá o amor seja menos dolorido e os conflitos mais amenos; talvez a vida seja mais leve e colorida... talvez lá seja perfeito, talvez lá resida o nosso perfeito. Talvez, nesse outro universo, façamos as pazes com alguém, com nossa história, ou conosco mesmos, e assim, lá, estamos em paz. De tudo isso que desejamos, que planejamos e que, em nosso cantinho mais íntimo do coração, vivemos pela fantasia é que sentimos falta. Nunca estive nesse universo, mas eu sinto saudade de poder ter estado!
Ah, se fosse possível nunca deixar ir as pessoas e os momento que amamos; se pudéssemos tê-los para sempre conosco, presentes, constantes e 'intermináveis'! Parece uma realidade tão doce! Seria nossa vida melhor assim? Nossa vida seria melhor sem saudade?
Penso que não!
Eu sei, às vezes dói, e dói muito... E mesmo quando ela nos traz dor, é possível aprender com ela e fazer disto um salto para evoluir! Mas, também, é justamente essa tal saudade que torna as lembranças boas coloridas, que nos permite relembrar as pessoas queridas que passaram pela nossa vida, que nos arranca sorrisos quando relembramos boas passagens e conquistas das quais nos orgulhamos!
A diferença entre a saudade que nos arranca lágrimas e a que nos traz sorrisos é a maneira como lidamos com nosso passado. É preciso deixá-lo ir, é preciso viver o presente e abrir os braços para o futuro e deixar que junto com ele venha a possibilidade de um novo universo, onde a saudade dolorida se transforma e evolui para "saudade sorriso"; onde, ainda que nos lembremos de algo que um dia nos trouxe sofrimento, tenhamos a condição de um novo entendimento e uma nova relação com nossa história... um universo onde o coração esteja em paz consigo!
E deixo aqui, para reflexão, um trecho de uma crônica brilhante de Rubem Alves (A menina e o pássaro encantado): "(...) Poucos sabem, entretanto, que é a saudade que torna encantadas as pessoas. A saudade faz crescer o desejo. E quando o desejo cresce, preparam-se os abraços (...)".
Abrace pessoas, abrace lembranças, abrace sua história. Mas lembre-se de deixá-los ir para que continuem encantados e para que sejam sempre presentes da "saudade sorriso".
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